27 abril 2008

Dinheiro, Luxo e Lixo



Sempre gostei de dinheiro. Quero dizer, das coisas que o dinheiro pode proporcionar. Gosto de conforto, de ter carro, morar em um apartamento bacana, poder usar roupa de grife, ganhar jóia de presente de aniversário, dar presente bacana pras pessoas que eu gosto, ir a bons lugares, viajar, viajar e viajar. Isto tudo custa muito dinheiro e, como não nasci, nem sou rica e dinheiro não cai do céu, custa muito, muito estudo e depois, muito trabalho, muito esforço, muito empenho mesmo e sorte. O fator sorte não pode ser ignorado. E nunca escondi de ninguém isso. Porque é verdade que eu prefiro ter um único brinquinho de ouro do que quinze brincos de bijuteria, um sapato de qualidade, do que dez sapatos da feira hippie, uma bolsa de couro do que sete bolsas de “couro sintético” (que lá na roça de onde venho a gente chama de plástico mesmo). Prefiro viajar só uma vez no ano inteiro, por pouco tempo, mas prum lugar legal, sem me preocupar com os gastos, do que viajar todo feriado, pra praia de mineiro no Espírito Santo, com dinheiro contado. Mas tem gente que pensa exatamente o contrário. Quem sou eu pra discutir. Cada um tem um gosto.

Mas, por outro lado, este meu gosto nunca foi respeitado. Fui tachada de patricinha, de burguesa, de metida a besta várias vezes na minha vida. Às vezes era porque eu estudava em boas escolas (mamãe investiu tudo que tinha na nossa educação), outras porque eu sempre andava arrumadinha (minha vaidade antecede minha concepção, tenho certeza) e comentava o que tinha passado no jornal. E, sinceramente? Nunca me abalei. Só uma vez perdi a compostura, quando uma menina me encheu tanto o saco me chamando de burguesa, que não me contive e falei: olha, você devia procurar saber do que está me chamando, porque burguesa é você, filha de comerciante, mas se você me acha “burguesa” só porque eu estudo em escola boa e não gosto de feira hippie, eu te digo que não, infelizmente não sou burguesa, mas se eu tivesse grana, aí sim você saberia o que é ser burguesa de verdade. Acho que ela não entendeu. Mas pelo menos parou de me encher a paciência.

O tempo foi passando e percebi que aquelas pessoas que me chamavam de burguesa, patricinha e metida a besta começaram a usar as mesmas roupas que eu usava, começaram a se preocupar com a aparência, começaram a vestir roupas e sapatos que certamente não eram da feira hippie, compraram carro, mudaram pra “zona sul”, começaram a viajar (algumas vezes para lugares de gosto duvidoso, é verdade, mas não deixa de ser viagem). Passaram a fazer tudo que eu desde há muito tempo já admitia que era doida pra fazer e já fazia quando tinha oportunidade e o dinheiro permitia. Mas percebi também que estas mesmas pessoas, apesar de estarem usufruindo dos confortos que o dinheiro pode oferecer, não admitiam que gostavam dos prazeres proporcionados por ele (embora fosse evidente que não compreendiam exatamente o que significavam estes “prazeres”). Vestiam-se com roupas de qualidade não por vaidade, mas sim por exigência da profissão, iam a bons restaurantes não porque eram lugares badalados, mas sim porque pessoas sérias e bem sucedidas – leia-se, ricas – iam lá e eles não podiam freqüentar um lugar qualquer. Trocavam de carro todo ano não por consumismo, mas sim porque o carro estava ficando velho, já tinha mais de dez mil quilômetros rodados, já estava dando despesa demais com manutenção. Mudaram-se para regiões nobres da cidade só porque era mais perto do trabalho. Desculpas esfarrapadas pra não admitir que a vida havia, com muito esforço, trabalho e uma dose de sorte, lhes permitido melhorar suas condições financeiras, ter mais conforto, enfim, “aburguesarem-se”.

Eu não, continuei gostando das coisas que já gostava antes. A diferença é que antes, estudante de escola técnica, não tinha condições de usufruir daqueles prazeres mundanos. Mas depois, já adulta, assumi meu lado mais terreno e, dentro do possível e do razoável, dou-me sim a pequenos luxos de vez em quando. Não tenho vergonha de dizer que gostaria de usar Prada com P maiúsculo, mas que, como não posso, também me recuso terminantemente a usar prada com p minúsculo. Tecido chinês que queima e brilha ao ser passado, não!!! Pelo amor de Deus, ninguém merece!!! Mas quando expresso estes meus, digamos, sentimentos, vejo olhares voltando-se para mim como se eu tivesse atirado uma menininha de seis anos pela janela do sexto andar. Estes mesmos olhos que me condenam, vestem roupas de grife, saem de carros de luxo, estão almoçando na mesa ao meu lado, no mesmo restaurante. Eles também gostam dos prazeres que o dinheiro proporciona, mas não admitem, sequer sabem o que consomem. Condenam-me por expor como somente meus os seus próprios pensamentos, aqueles que teimam em esconder. Observo que a maioria das pessoas tem vergonha de admitir que gosta de dinheiro, que gosta do que o dinheiro pode proporcionar. E sinceramente, não entendo por quê. Aí me pego pensando que este pessoal deve estar roubando ou vendendo drogas, fraudando o Governo, sei lá, fazendo alguma coisa desonesta pra ter dinheiro. Não faz sentido ter vergonha de admitir que se usufrui do fruto do próprio trabalho se ele for honesto e digno como devem ou deveriam ser todos os trabalhos.

Mas o mais engraçado é que estas mesmas pessoas não têm vergonha de contar que foram à Europa e não visitaram nenhum museu, mas que voltaram com as mãos cheias de sacolinhas da duty free. Não têm vergonha de contar que não estudam porque estudar não leva a nada, que eu estudei a vida toda e não tenho nem metade do dinheiro que eles torram todos os anos nas férias. As mesmas férias, sempre nos mesmos lugares, sempre com as mesmas pessoas, sem que nada lhes seja acrescentado. Não têm vergonha de contar que na casa deles não há livros, a não ser aqueles que a decoradora insistiu em colocar sobre a mesa de centro pra dar um ar “culto” ao ambiente gritantemente ignorante. E tampouco se constrangem em usar estes mesmos livros como suporte de copos molhados, deixando respingar gotas de um vinho que bebem porque alguém lhes disse que é “chique” e confessando que nem gostam de vinho. Ficam lá, comendo sushi com cara de quem come picanha, porque leram em algum lugar que sushi é in e carne vermelha é out, mas sequer procuram no dicionário o significado destas palavras.

Estas pessoas têm conseguido ganhar mais dinheiro do que eu, a despeito de todos os meus esforços, de tanto trabalho, e conseqüentemente, conseguem usufruir de luxos que eu não posso e nem sei se poderei usufruir algum dia. Mas não os invejo, o tempo passou e já tenho dúvidas se realmente gosto tanto de dinheiro assim, este tanto que permite o exercício de luxo de verdade. Trocaria de bom grado usar Prada com P maiúsculo por mais tempo livre para ler os livros que ainda não li, assistir os filmes que ainda não assiti, visitar os muitos lugares que ainda não conheci. Trocaria sem sombra de dúvidas a ostentação da riqueza pela segurança da moderação e pelo conforto do anonimato. Sim, eu continuo gostando de dinheiro e das coisas que ele pode me proporcionar, mas cada vez mais contento-me com menos do que sonhei na minha adolescência, porque a cada dia que passa, olho em volta e vejo que cada vez mais as pessoas usam o dinheiro para ter e não para ser e constato, com tristeza, que a mediocridade anda acompanhando o dinheiro.



Larissa é vaidosa, se acha bonita, gosta de se cuidar, de se vestir bem, de ter conforto; mas gosta muito mais de cuidar da sua cabeça, de conversar com pessoas que tenham conteúdo e de alimentar sua fome de conhecimento do mundo e das pessoas, e sabe que para isto vai ter que abrir mão de algumas coisas.

4 comentários:

Mia disse...

TUUUUDO VERDADE!!!
Também gosto de coisas boas, prezo conteúdo muito mais que a quantidade e sonho em poder passar pelo menos 15 dias no Reino Unido para apenas ter o gostinho de respirar aquele ar como sempre sonhei, ver o Parlamento e essas coisas simples que a gente tem vontade de fazer sabendo o porquê, dentre outras coisinhas menores mas inversamente proporcionais ao valor...
=***

Casillera disse...

Francamente eu nunca liguei pra roupas de grife, mas também nunca comprei roupas eu uma feira hippie. kkkkkkkkk Mas o que eu achei interessante foi quando vc relata em seu texto que as pessoas te criticavam pelo seu jeito de vestir e de ser, porém mais tarde eles começaram a fazer o mesmo. Isso aconteceu comigo muitas vezes.

Anônimo disse...

Vc me conhece muito bem e sabe que eu nunca me preocupei com grife, usar roupas da moda, muito pelo contrário, sempre me vesti com simplicidade e sempre tive meu estilo próprio e sempre me senti muito bem assim. Mesmo quando comecei a ter grana suficiente para me vestir com roupas caras e de grife, nunca me importei com isso, mas respeito quem pense diferente. Entretanto, realmente a profissão às vezes exige mudanças, inclusive no visual e às vezes isso me faz sentir como se eu estivesse perdendo parte da minha identidade... mas aí penso que a identidade está no meu jeito de ser, na minha forma de tratar as pessoas e não na minha aparência. Continuo sendo eu, independentemente do que visto e para mim isso basta.

Anônimo disse...

Querida amiga Larissa, postei como anônimo pq não estou conseguindo de outra forma.

Beijos
Dennia