23 março 2008

Feiúra

“Estancar o avanço das favelas que não contam com plano arquitetônico nem respeitam os ecolimites. Abrir vias de acesso dentro das comunidades para evitar a verticalização das casas.” Mello Menezes, artista plástico.

Primeiramente eu gostaria de saber se alguém aqui conhece pessoalmente este cidadão.

Porque embora eu transite naturalmente no ambiente artístico e tenha um ótimo relacionamento com as poucas pessoas do meio com as quais convivo, fui assolada por uma antipatia imediata ao ler a resposta deste senhor à questão proposta por Joaquim Ferreira dos Santos em sua coluna: o que fazer para melhorar o Rio.

Parece-me que a única questão relevante no que diz respeito às mazelas do Rio de Janeiro, e ao que pode ser feito para torná-lo melhor, cinge-se à manutenção ou recuperação de suas “belezas” – naturais e arquitetônicas. Foi a impressão que tive ao ler as sugestões apresentadas na coluna, embora a que reproduzi acima tenha-me chamado especial atenção.

Pois bem. Preocupemo-nos com a arquitetura das favelas, sem nos perguntar as razões de sua existência e expansão! Preocupemo-nos com os ecolimites e esqueçamo-nos de que a dignidade do homem faz parte do ecossistema! Preocupemo-nos com a abertura de ruas minimamente largas, para que casebres miseráveis não se empilhem uns sobre os outros e tapemos os olhos para realidade que insiste em nos incomodar. Chega de feiúra, preocupemo-nos com a beleza!!

Mas não nos esqueçamos de que optar pela beleza não resolverá os problemas da feiúra, não tornará o Rio melhor. São feias as favelas? Sim, são feias as favelas, mas há feiúra maior, acredite.


Larissa ficou indignada com a sugestão do senhor artista plástico, que deve viver enclausurado em seu ateliê, ou ter o dom de ignorar a realidade que nos bate diariamente à porta. Certamente seu mordomo não deixa a realidade entrar.

De Volta à Realidade Fantástica

Muitos anos depois, diante do pelotão de fuzilamento, o Coronel Aureliano Buendía havia de recordar aquela tarde remota em que seu pai o levou para conhecer o gelo. Macondo era então uma aldeia de vinte casas de barro e taquara, construídas à margem de um rio de águas diáfanas que se precipitavam por um leito de pedras polidas, brancas e enormes como ovos pré-históricos. O mundo era tão recente que muitas coisas careciam de nome e para mencioná-las se precisava apontar com o dedo.


Em Macondo choveu por cem anos, ininterruptamente. Cem anos de solidão. E So Hardt surgiu porque eu me sentia a maior parte do tempo em Macondo, triste, sozinha, sob a chuva fina, fria, que parecia ter sepultado o sol e o céu azul da minha vida. Achei que escrever me traria de volta à minha realidade, aquela que para muitos é realidade fantástica, já que perderam a fé nas pessoas, nas relações humanas, na alegria. Mas esta que muitos chamariam de realidade fantástica, onde a magia permeia a vida dos homens, para mim será sempre a realidade de verdade.

Enfim, escrever não trouxe o resultado esperado. Comecei a escrever, tentando não só desabafar, mas principalmente resgatar a pessoa que eu era. Não deu certo. Comecei com textos desiludidos, tentei do fundo do meu coração voltar a escrever como antes, busquei palavras mais leves, doces, suaves, porém, não as encontrei onde costumava guardá-las. So Hardt estava ficando hard demais até para mim mesma. Dei um tempo. Coincidentemente, durante este tempo as águas de março se fizeram muito fortemente presentes como há muito tempo não se faziam. E foi como se a chuva de cem anos, fina e fria, da minha Macondo particular caísse toda de uma só vez para que o sol pudesse brilhar no céu azul novamente. Houve sim destruição; as águas são implacáveis, a natureza não se intimida ao mostrar sua força. Mas ficou tudo claro, tudo limpo, sereno. Agora a reconstrução é possível.

Obrigada aos que aqui vieram, sem saber quem eu sou, de onde venho, pra onde vou, e me apoiaram para que eu não desistisse de buscar as minhas verdadeiras palavras. Acho que agora vocês vão poder conhecer a alegria que existe por trás de toda e desta Larissa, que até então não havia mostrado sua verdadeira face.

Sejam bem vindos ao renascer de So Hardt.

Larissa conseguiu atravessar a tempestade com o apoio de antigos e novos amigos. Quando fraquejou e achou que não ia conseguir, o amor a carregou no colo. Ambos se molharam, passaram frio, sentiram medo, choraram e acabaram rindo. Conseguiram voltar à sua realidade, mais fantástica do que quando começaram a caminhada.