11 abril 2008

Mais Duas Meninas

Conhecemo-nos na infância mas acabamos perdendo contato com o passar do tempo. Encontramo-nos novamente na faculdade. E voltamos a ser amigas. São histórias demais pra contar. Foram anos intensos e divertidos aqueles. Acabou a faculdade, mas não acabou a amizade. Adultas, não deixamos a amizade se diluir no tempo.

Morávamos no mesmo bairro, gostávamos de jogar conversa fora, de discutir o que se passava ao redor do mundo, de dividir os dilemas, os sonhos, de falar da vida alheia, de comentar sobre aquele novo filme, trocar idéias sobre livros lidos, filmes assistidos e as promoções das nossas lojas preferidas. Embora não tivéssemos a intenção de escolher um lugar especial para nossas verborréias, isto acabou acontecendo. Era inevitável. Nenhum lugar é mais propício para o exercício do ócio e da maledicência do que uma mesa de bar, com os apetrechos indispensáveis para que a criatividade e o cinismo se façam presentes: cerveja gelada e tira gosto. E guardanapos, muitos guardanapos, que tínhamos horror a mãos e mesa sujas.

Era engraçado porque como íamos ao mesmo bar pelo menos uma vez na semana, as garçonetes nos conheciam pelo nome e já sabiam o nosso gosto. Nossas mães estavam quase nos levando ao A.A. Confesso que houve muitos momentos regados a coca light SEM RUN, mas nossas mães não acreditavam nisso. Mas nossos precedentes estudantis não autorizavam. Mas é verdade que na maior parte das vezes nossa aparente entorpecência derivava de endorfina, e não de álcool em excesso, de tanto que a gente ria da gente mesma, de tudo e de todos. Havíamos acabado de nos formar e todos sabem a nostalgia que dá neste momentos. Às vezes nos esquecíamos de que não estávamos no Rock Bar matando aula. E como eram bons estes dias!!

Continuamos nosso ritual – cada vez mais regado a coca light e menos regado a run – até eu me casar, há mais de dois anos atrás. E como eu sentia falta de poder ligar pra minha amiga em plena terça-feira e dizer simplesmente: e aí? Era a senha pra verborréia na mesa do bar. Preciso fazer uma confissão que pra muitos pode parecer vexamosa, mas que pra mim nunca foi (apesar de eu só admitir de uns anos pra cá): NUNCA TIVE VERGONHA DE TOMAR UMA (OU DUAS, OU TRÊS...) CUBAS LIBRES OU CERVEJAS EM PLENO DIA DE SEMANA!! E a vida me concedeu a graça de ter uma amiga que pensa como eu.

Aí, quando ela decidiu passar um tempo fora do país, nos encontramos pra mais uma verborréia, que foi a penúltima antes dela viajar. Minha amiga, você não faz idéia do bem que aquele dia me fez!! Me trouxe de volta tanta lembrança boa!! Matou a saudade que eu tinha da época em que morávamos no mesmo bairro e as verborréias eram mais freqüentes (e menos responsáveis). Lembrei-me daquela malsinada quinta-feira em que bebemos juntas dezessete cubas-libres e fomos embora, trôpegas, sem pagar!! Depois de eu ter telefonado umas duzentas vezes pro meu namorado, dizendo que ele não me amava!! Até hoje não sabemos quem bebeu uma cuba a mais. Nem como não morremos de vergonha de ter que voltar lá pra pagar a conta no dia seguinte. Quer dizer, no outro dia ainda, porque a ressaca não permitiu que eu me levantasse naquele dia. E nem como é que tive aquele surto psicótico do “ele não me ama mais”. Que cômico!! Conto esta história feliz e sem constrangimentos porque estes pileques não eram freqüentes. Na realidade, em dia de semana, que eu me lembre foi só aquele mesmo. Até agora, porque voltei pra casa alegrinha de dar gosto. E era quinta-feira.

Na véspera da viagem, fui almoçar com minha amiga. Era a verborréia-saideira. Combinamos meio dia no mexicano. Chegando lá, dei de cara com um frozen maguerita!! Eu ia pedir uma coca zero (já não anda tendo coca light no mercado), mas fiquei com vergonha e acabei pedindo um frozen pra mim também. Afinal, companheiro é companheiro, fedaputa é fedaputa. E minha mãe é uma senhora de muito respeito, de modos que não tive alternativa além de encarar o frozen marguerita. Lancei-me ao sacrifício. Vieram dois frozen margueritas e pudemos ver os olhares invejosos: era sexta-feira, meio dia. Alguma vantagem tem que haver de você estar perdido na vida, sem trabalho e estudando pra concurso! Eu havia decidido me dar aquele dia de folga e só não me esbaldei porque não atinei de deixar o carro em casa. Afinal, quem bebe não dirige, quem dirige não bebe.

Bom, minha amiga já está em Londres tem quase uma semana. Ela me escreve todos os dias. E mails curtos; ela não é verborrágica na linguagem escrita como eu. E eu estou aqui morrendo de saudade dela e esperando o dia que ela vai voltar pra gente poder exercitar o ócio novamente. Estes dois encontros foram diferentes dos últimos, foram muito especiais. Trouxeram de volta pra mim alguma coisa boa, muito boa, que eu não sei explicar. Acho que são as cores voltando!! E a alegria que dá a certeza de que já temos muitas histórias pra contar!!


Larissa sabe que beber “até perder a dignidade” não é legal, mas acha que um álcoolzinho de vez em quando, além de não fazer mal a ninguém, produz boas histórias pra contar na posteridade.

As Duas Meninas

Tinham quatorze anos aquelas duas meninas. Uma era mais esperta, a outra, mais bobinha. Mas eram ambas adolescentes e a adolescência é uma fase de formação, de amadurecimento, e, claro, de muitas dúvidas, dilemas, angústias, tormentos. É a época em que se vive os extremos: a vida é maravilhosa ou a vida é um completo caos. Ficaram na mesma turma do colégio e acabaram ficando amigas. Muito amigas.

Juntas, descobriram a música, o violão, o Clube da Esquina. Juntas, passaram aperto em matemática, odiavam educação física, gostavam de cantar, de ler e de escrever poesia. É bem verdade que o canto e a música faziam mais parte do mundo de uma delas. Mas a literatura e a redação também faziam mais parte do mundo da outra. Tomaram os primeiros porres juntas. E uma sempre estava perto quando a outra precisava de ajuda.

Acabou o ano e as meninas se separaram. Era uma escola técnica e cada uma escolheu um curso. Cada uma foi pra uma sala diferente. Engana-se quem pensa que houve também a separação da amizade. Estar em cursos diferentes evidenciou diferenças, mas não as distanciou. Houve momentos em que as meninas estiveram sim um pouco afastadas, mas muito mais pelo curso do que pela diluição da amizade. Continuaram amigas. E pelo menos uma delas achava que o que as mantinha unidas era o amor pela música, pelo teatro, pela literatura e a completa aversão pela educação física!

No terceiro ano distanciaram-se um pouco mais. Cada uma tinha seus interesses, seus objetivos, mas só em sala de aula. Do lado de fora, nos intervalos, lá estavam as duas, sonhando com um futuro onde as pessoas seriam sempre felizes. Naquela época, as meninas, então com dezesseis anos, ainda acreditavam que haveria uma revolução cultural e que as pessoas se tornariam mais sensíveis. As meninas já não acreditavam tanto que poderiam mudar o mundo, mas tinham certeza que iam tentar sempre.

Uma das meninas foi embora. Mudou-se para o outro lado do mundo. A menina que ficou escreveu à mão em algumas folhas de caderno a letra inteirinha de “Meu Caro Amigo” e mandou pra que estava longe. Ainda era o tempo das cartas. Foram poucas, é verdade. A menina que estava longe ficou enfurecida, mas voltou e encontrou a outra a esperando com o violão na mão. Escrever aquela música tinha até doído a mão. Naquele dia cantaram e tocaram até tarde da noite e ambas perceberam que muita coisa havia mudado naquele ano de distância. As meninas haviam mudado muito, estavam menos adolescentes, estavam mais amigas.

Mas a vida novamente acabou separando as duas meninas. Cada uma morando em uma cidade, ambas trabalhando de dia pra estudar à noite, sempre muito cansadas. Falavam-se por telefone, mas isto passou a acontecer apenas duas vezes por ano: nos aniversários. Encontraram-se algumas vezes, claro. Havia as festas de ex alunos e elas combinavam de se ver lá. Divertiam-se, riam muito, lembravam dos tempos da adolescência e iam embora, cada uma pro seu lado. Quanto riso, quanta lágrima!! Mas o fato é que se afastaram...

Muita coisa aconteceu durante o período em que as meninas estiveram afastads. Tinham notícias uma da outra por amigos comuns, pelo orkut, às vezes por e mail. Uma das meninas era muito mais relapsa que a outra; ligava menos, escrevia menos. Mas sonhava muito. E muito alto. Sonhava com a harmonia entre os homens, com a paz, com a alegria. A outra menina se casou, conseguiu um bom emprego e mudou-se para o interior de vez. Voltaram a se encontrar no casamento de uma delas, a que jurara pra si mesma nunca se casar. Coisas da vida. Separaram-se novamente depois de um abraço forte e sincero. Uma das meninas teve uma filhinha, que a outra sequer se dignou a ir conhecer. Estava correndo contra o tempo. Sempre o tempo era o culpado. Mas não era só pra menina recém casada, era pra recém mamãe também. E assim a amizade se mantinha, apesar do pouco contato.

Quando a filhinha da menina fez um ano teve uma festinha e a amiga foi. Já havia furado demais, não podia se arriscar mais a perder aquela amizade. Esta menina estava passando por maus pedaços, mas se arrumara lindamente pra comemorar a alegria da amiga. Depois de tanto tempo queria bater papo, jogar conversa fora, colocar a fofoca em dia. Não queria falar de coisas ruins, de problemas, dos dilemas que ainda a perseguiam. E assim foi. As meninas se encontraram e foi muito bom. É verdade que a mamãe era a verdadeira anfitriã e não podia dar atenção exclusiva à sua amiga.Mas pra quê serve a amizade se não conseguir compreender estas coisas? A menina sentiu pesar, mas não ficou triste. Pelo contrário: sua amiga estava tão feliz que só conseguia compartilhar daquela felicidade.

Acabou indo embora à francesa. Aquela festinha de criança havia trazido lembranças e emoções demais pra uma noite só. A menina foi embora feliz, mas com medo da outra ficar chateada por ela ter sumido sem dar tchau. No dia seguinte, pensou em telefonar, mas ia dizer o quê? Enrolou, enrolou e acabou não ligando. Pior, mergulhada nas suas reflexões (que apelidara carinhosamente de revolução existencial interna), esqueceu-se do aniversário da amiga e aí se perdeu. Isto nunca havia acontecido em quase quinze anos. A menina ficou bastante envergonhada, mas também não ligou. Dentro de exatamente um mês seria o seu aniversário e se a amiga não telefonasse, aí ela telefonaria.

Antes que se passasse um mês, num dia difícil, cansativo (culpa da caminhada a que a menina se forçara a praticar), a menina recebeu um e mail da amiga. Na linha de assunto vinha “Preocupada”. E quem se preocupou foi a que recebeu o e mail. Eram poucas e emocionantes linhas. A amiga estava preocupada com a outra porque a achara triste na festinha da sua filha. Perguntou como estavam as coisas, se era stress, cansaço da profissão e terminou pedindo notícias e dizendo que a amava muito, e que o pouco contato não ia mudar aquela amizade jamais.

Aquela mensagem abalou a menina que a recebera. Encheu seus olhos d’água, algumas lágrimas rolaram. Poucas pessoas são capazes de perceber a tristeza embaixo da aparente alegria. A menina já tinha passado pelo pior, já estava na fase da superação. Na festinha da filha da amiga estava feliz por estar lá, não foi necessário nenhum esforço, nenhuma representação. Aliás, a menina era péssima atriz quando seus sentimentos eram verdadeiros. Nem se quisesse conseguiria transparecer o que não era realidade. Ela estava sinceramente feliz sim. Mas as marcas de decepções recentes ainda estavam nos seus olhos, na sua voz, no seu sorriso, no seu riso. Poucas pessoas conseguem perceber as nuances destas mudanças, mas os amigos percebem. E os verdadeiros amigos oferecem seu ombro e seu amparo. Era o que havia acontecido. Nem a correria da festinha, nem aquelas crianças correndo sem parar, os choros, os chamados, as outras pessoas haviam impedido que a menina percebesse a mudança no semblante da outra. Só ela percebeu, mais ninguém. E por isso havia mandado aquele e mail. Por isso oferecia o seu ombro.

A menina leu e releu aquela mensagem curta várias vezes. Pensou em deixar pra responder depois, mas não conseguiu. Quis dizer que está feliz, que conseguiu atravessar um caminho difícil, que ainda não se recuperou das quedas, mas que sabe que aprendeu com elas. Quer dizer que sabe que seu semblante não é mais o mesmo, mas que também sabe que um dia voltará a rir à toa. A resposta a esta hora já deve ter sido lida e a menina está ansiosa esperando a outra escrever outra vez. O dia de voltar rir à toa está próximo, a menina sente isso no ar. E quer que sua amiga esteja por perto pra poder olhar nos olhos dela com a mesma alegria de quinze anos atrás.


Larissa é uma das meninas desta história e acha que isto nem precisava falar. Mas precisa dizer à sua amiga que ela, com suas poucas palavras, suavizou muito uma das marcas que a vida lhe deixou.

09 abril 2008

Solidão

Pouquíssimas vezes na minha vida me senti só. Meu problema sempre foi exatamente o contrário. Muitas vezes precisei ficar sozinha, mas não deixaram. E de tanto ninguém me deixar ficar um pouco sozinha, acabei deixando de perceber quando precisava me isolar e ficar comigo mesma por um tempo.

A duras penas retomei as rédeas da minha vida. Pelo menos dentro da minha cabeça. Andei ficando sozinha meio que na marra. Tive que me afastar um pouco das pessoas, mesmo das que eu mais amo. Foi difícil, mas acho que valeu a pena. Parei, refleti, tomei decisões. Infelizmente não sobre o que eu quero, mas pelo menos sobre o que não vou fazer da minha vida. E já acho isto um grande progresso. Aí voltei ao convívio com as pessoas. Voltei melhor, meio perdida, mas com certeza mais feliz. Abdiquei novamente da solidão.

Mas esta semana estou só. E estou passando por uma experiência que tem me feito ter certeza de que eu soube definir bem minhas prioridades de vida. Decidi viver plenamente ao invés de me proteger o tempo inteiro desde muito nova. Tenho dúvidas se foi mesmo uma escolha consciente. Tenho dúvidas sequer se foi uma escolha. Na realidade, nunca tive medo de quebrar a cara. Eu acreditava que este medo ia acabar surgindo com o passar do tempo. Descobri que até hoje este medo não surgiu em mim. Estou à beira dos trinta e um anos e feliz de verdade por ter escolhido viver uma história que tem rendido muito mais bons do que maus momentos. Escolhi não viver sozinha.

Desde que me casei, estou sozinha em casa pela primeira vez. Aliás, minto. É injusto dizer que fiquei sozinha tendo um cachorro atrás de mim cem por cento do tempo em que estou dentro de casa. Mas é diferente. Reconheço o valor da amizade canina, mas é diferente. Bem, o fato é que, então, mesmo com um rabo que balança incessantemente na minha frente buscando minha atenção, eu me senti pela primeira vez na vida muito só.

Comecei a preencher meu tempo livre assistindo filmes. E assisti A Dona da História hoje pela milésima vez. Um diálogo entre presente e futuro me chamou especialmente a atenção hoje, na cena em que se encontram no camarim do teatro:

- Você trocaria tudo isso pelo amor da sua vida?

- E você? Trocaria?

Eu?! Não!! Eu não troco, não!! Nem no presente, nem no futuro. O tempo verbal já diz tudo: futuro do pretérito, o que nunca vai acontecer, vai ser sempre uma hipótese. Eu não troco o amor da minha vida, que eu já encontrei, por nada. Eu não troco ter quem me espere chegar, ter a quem esperar chegar, por nada neste mundo. E nestes dias, que eu cheguei sem ter quem me esperasse, que eu não tive a quem esperar, cheguei a achar que havia descoberto o que é solidão de verdade.

Mas não havia, não. O telefone toca, fico feliz. Não é a primeira vez no dia e tenho certeza de que também não será a última. A voz do outro lado da linha faz com que eu deixe de me sentir só. Sinto um abraço e um beijo. E ao desligar o telefone, vejo que o que eu estou sentindo não é solidão. O que eu estou sentindo é saudade. E esta saudade vai passar. Então eu soube o que é sentir-se só de verdade. Solidão é não ter alguém a quem esperar, é não ter alguém te esperando no sofá; solidão é não ter nem um telefone pra esperar tocar.


Larissa está quase morrendo de saudades do seu marido, mas não se arrepende de não estar junto com ele agora. Sabe que mais forte que a tristeza de deixar partir é a alegria de ver voltar.