20 fevereiro 2008

Alunos e Professores: uma relação de amor e ódio

Demorei muito a admitir isto pra mim mesma, mas o fato é que eu adoro estudar, adoro estar na sala de aula, se pudesse, fazia curso de tudo que há. Freud explica porque eu não admitia que gosto de estudar, mas o fato é inegável. Ninguém mete a cara pra fazer pós-graduação sem ter renda fixa do jeito que eu fiz se não gostar muito de estudar.

Tive professores excelentes na pós-graduação. Mas é claro que sempre tem aquele com quem você não se dá bem. E obviamente, eu não fujo à regra. E parecia que tudo conspirava pra eu ter um confronto com aquele professor. É verdade que já fui meio implicada com o sujeito porque tenho uma péssima experiência com professores-estrela. Professores-estrela são aqueles que têm pós-pós-doutorado em alguma coisa praticamente incompreensível para os reles mortais, falam quinze línguas fluentemente, escrevem livros e mais livros usando a mesma linguagem incompreensível da tese de pós-pós-doutorado e um único manual com linguagem palatável. E este manual simplesmente se esgota em questão de segundos a cada vez que é reimpresso ou reeditado: o cara ainda fica rico, se já não era. Aí eles acabam se achando o último biscoito do pacote e tomam a sua (eventual) ausência na aula deles como ofensa pessoal. Pra estes, a única justificativa plausível para alguém matar a aula deles é estar sendo sepultado. E o meu era destes.

Dei o azar de na primeira aula dele, que nem foi num dia regular da pós-graduação, eu estar em São Paulo a trabalho. Não tinha jeito, não dava pra voltar, assistir a aula e depois pegar outro avião pra voltar pra São Paulo. Matar a aula era a opção mais razoável, então, matei sem remorsos. Na semana seguinte, tomei o cuidado de sair mais cedo do trabalho pra não me atrasar pra aula do fulano, já que eu havia sido alertada que ele era cheio das gracinhas. Evidentemente, caiu uma tromba d’água, o trânsito que já é caótico conseguiu ficar pior e eu me atrasei quinze minutos. Corri na esperança dele também ter sido pego pela tromba d’água, mas qual é. A porta já estava fechada quando cheguei. Calcei a cara e entrei, né, fazer o quê? Pagando mil contos por mês pra ter aula duas vezes por semana, eu não ia me dar ao luxo de perder a aula toda por causa de quinze minutos de atraso. O cara me olhou feio, mas não falou nada. Mas fez expressão de quem diz: depois a débil mental é reprovada e reclama que o professor é ruim.

Desde então, o universo começou a conspirar pra eu ter toda a sorte de imprevistos nos dias da aula do fulano. Na aula seguinte, lá estava eu previdentemente nos arredores do instituto uma hora antes da aula começar, quando meu celular tocou. Era uma amiga, simplesmente arrasada, chorando aos cântaros, porque tinha recebido um e-mail babaca do babaca do ex-namorado dela dizendo que reconhecia o quão babaca ele havia sido com ela e que era tão babaca que não tinha coragem de falar isso com ela cara a cara. Ela me perguntou se eu estava perto do instituto e se podia encontrar com ela (ela trabalha lá perto). Não tinha jeito, mais uma aula do camarada estava fadada, no mínimo, a um atraso. Mas eu não ia abandonar minha amiga naquela situação.

Tive a brilhante idéia de ligar pro meu namorido ir se encontrar conosco – ele é amigo dela também – pra ele ceder o ombro amigo enquanto eu assistia à aula de Átila, o Huno. Mesmo assim, atrasei meia hora. Pus o pé na sala e ouvi: “pelo visto você não tem muito compromisso com o curso”. Como assim não tenho compromisso com o curso?! “Pelo visto o senhor deve ter algum recalque se não ser juiz pra estar me julgando assim sem me conhecer”. Sentei e fiz de conta que nada tinha acontecido. Como Murphy impera, o fulano tava justamente falando sobre uma matéria que eu tinha uma dúvida e, claro, o ponto já havia sido abordado. Enfiei o rabo entre as pernas e assisti à aula caladinha, afinal, tava errada mesmo. Quando deu a hora do intervalo, o professor fala:”turma, quem tiver alguma dúvida, estou à disposição”. Bem, achei que valia a pena ir lá expor minha dúvida, mesmo sabendo que corria o risco de levar uma patada. E até porque “turma” me incluía.

- Boa noite, Professor, eu tenho uma dúvida. (cara constrangida)
- Pois, não. Qual é a sua dúvida? (cara solícita)
- Mas se a rebimboca da parafuseta for usada desta forma, não corre o risco de explodir tudo? (cara de pau)
- Eu expliquei este tópico, mas a senhorita não estava em sala. (cara cínica)
- Senhorita, não, senhora, porque eu sou uma mulher casada!! (cara de puta da vida)


A guerra estava declarada.

Na aula seguinte, um sábado, cheguei cedo porque não tava afim de encheção de saco. Alguém tinha deixado um saquinho de jujuba na mesa pra quem quisesse pegar. Fiquei olhando o saquinho e pensando se valia a pena gastar calorias com jujuba quando o fulano chegou e disse, olhando na minha cara: “olha quem já está aqui!” Imediatamente comecei a repetir para mim mesma o mantra “você não vai comprar a provocação dele, você não vai comprar a provocação dele, você não vai comprar a provocação dele” e me acalmei. Sorri e não disse nada, afinal, sou uma dama. Aí ele perguntou, vendo o saquinho na minha mesa:

- De quem esse saquinho de jujuba aqui? (cara de quem ama jujuba)
- A fulana trouxe pra todo mundo, pode pegar se quiser. (sendo civilizada)
- Vou pegar, aceita jujuba? (pegando o saquinho)
- Aceito. (achando que era um sinal de paz)
- Não dou porque a senhora é muito topetuda! (se segurando pra não rir da minha cara)


Aí eu tive que rir, né? Não tinha alternativa.

Chegou o resto da turma e o fulano foi por uma fita (hellooooo, fita!!) pra gente assistir uma palestra de um cara alemão, com tradução simultânea. Deu um pau no equipamento e a tradução simultânea não funcionou de jeito nenhum. E o cara lá, falando alemão pra gente. Quando o fulano viu que não ia ter jeito mesmo, desligou tudo e começou a ladainha (nesta hora eu já estava em cólicas de vontade de rir da cara dele):

- Putz, estas coisas me matam, preparei a aula toda em cima desta palestra e a coordenação me dá uma desta, manda equipamento que não funciona, minha cabeça tá até doendo. Alguém tem uma neosaldina aí?
(silêncio)
- Eu tenho. (pensei em trocar por uma jujuba, mas aí seria muita baixeza da minha parte)
- Só ela que tem, gente, pelo amor de Deus, ela tripudia da minha aula e eu ainda vou ficar devendo uma neosaldina pra ela? Ah, não. Não quero não (rindo), porque uma só não adianta, eu tomo de duas em duas.
- Então você vai ficar me devendo são duas neosaldinas! (tirando a cartela cheia da bolsa)


Achei que tínhamos meio que feito um pacto de paz, né? Afinal, eu tinha salvado a cabeça dele da implosão.

Pois não é que quando fui conferir minhas notas, o fulano tinha me dado exame especial por freqüência?! Ele me deu falta nos dias que atrasei e eu tava em exame especial por uma falta!! Aí fui conferir minha nota, né, porque com um bom aproveitamento eu poderia tentar o abono. Minha nota: NOVENTA E OITO!!! Quer dizer, o fulano, mesmo vendo que tinha tido noventa e oito por cento de aproveitamento me pôs no exame especial!!! Liguei pra coordenação.

- Bom dia, fulana, o senhor (que é pouco mais velho que eu) coordenador está aí? Posso falar com ele? (minuto) Oi, coordenador, tudo bem? Estou conferindo as minhas notas e freqüências e vi aqui que estou em exame especial na disciplina rebimboca da parafuseta por causa de uma falta apesar de ter tido 98% de aproveitamento.
- Ah, então é com você que o fulano anda implicando desta vez!!!


Ou seja, o fulano tem por hobbie atazanar a vida de um aluno por semestre e, adivinhem? Eu era a atazanada da vez!

Problema resolvido, pós-graduação acabada, encontro na rua uma ex-colega de turma que estava trabalhando no departamento que o fulano gerenciava. Perguntei como que ela conseguia trabalhar com um tipinho daqueles, sádico, que se divertia às custas de atazanar as pessoas e ainda tive que ouvir esta: ele é só elogios pra você!

- Aquela Larissa é uma das mulheres mais irrascíveis que já conheci, bocuda mesmo, precisa urgentemente de um relógio, mas tenho que admitir que é uma excelente aluna!

Larissa acha que o fulano é um dos homens mais arrogantes que já conheceu, tem certeza que é o rei da bala chita, precisa urgentemente de um aparelho de DVD, mas tem que admitir que o cara é um excelente professor.

1 comentários:

Anônimo disse...

Estas "estrelas", seja em que domínio for, são sempre difíceis de lidar, não se deve deixar transparecer que eles nos impressionam. Mas o que conta é que aos trancos e barrancos, vocês conseguiram se entender e se respeitar. Delícia de post, Larissa!
Um abraço.